Das modas de viola às baladas de traição: a evolução do sertanejo

Das modas de viola às baladas de traição: a evolução do sertanejo

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Atualmente, as paradas de sucesso brasileiras estão dominadas pelos principais nomes do sertanejo, como Marília Mendonça, Henrique e Juliano e Gusttavo Lima - citando só alguns para não se perder na imensidão de duplas e cantores solos que se aventuram pelo gênero.

A verdade é que a indústria hoje é gigantesca e responsável pela maior parcela dos hits tocados nas rádios e nas principais plataformas de streaming, como Spotify, Deezer, YouTube e Apple Music. Para você ter uma ideia, o gênero é responsável por 29% das músicas mais ouvidas em todo Brasil, à frente inclusive do pop, que corresponde a 25%, segundo dados do Kantar IBOPE

E esse movimento não é de hoje. Por exemplo: quem ainda não canta, em alto e bom som, o refrão inesquecível de “Evidências”, de Chitãozinho & Xororó, em qualquer karaokê?

Desse hit pra cá, muita coisa mudou nas músicas sertanejas. Porém, sempre tivemos uma certeza: o gênero é um sucesso imbatível.

Que tal conhecer (de verdade) a história da música sertaneja, para entender por que ela é tão querida pelo público?

A história da música sertaneja

A música sertaneja surgiu em 1929, quando o pesquisador, compositor, escritor e humorista, Cornélio Pires, decidiu espalhar os costumes caipiras em forma de música e encenações teatrais para os outros cantos do Brasil. Ele passou pelo interior paulista, norte e oeste paranaenses, sul e triângulo mineiros, sudeste goiano e mato-grossense.

O gênero ficou conhecido como música caipira, pois as letras retratavam a beleza bucólica e romântica da paisagem, além do modo de vida do homem do interior e do homem da cidade. Entre as duplas pioneiras nas gravações em disco moda de viola, estão: Zico Dias & Ferrinho; Laureano & Soares; Mandi & Sorocabinha; e Mariano & Caçula.

Como suas canções estavam ligadas à realidade cotidiana, esses artistas quase que faziam crônicas cantadas - e como resultado você encontra obras como “A revolução Getúlio Vargas”, e “A morte de João Pessoa”, gravadas em 1930 por Zico Dias & Ferrinho.

Após este pontapé inicial, a história da música sertaneja foi dividida em algumas fases: a música caipira ou música sertaneja raiz, matuta, do interior do país; a modernização das modas de viola, trazendo novos ritmos ao gênero, tais quais os riffs das guitarras elétricas e influências das baladas; o surgimento do sertanejo romântico e os desdobramentos desse subgênero, com o universitário e o feminejo. Aqui, a história começa com os clássicos do amor e da desilusão amorosa, mas evoluiu para o clima de alegria e pegação, sempre com uma pontinha no brega meloso, e incorporando novos estilos como funk, pop e forró.


Como você deve ter percebido, o gênero percorreu um longo caminho até chegar ao que é hoje: um misto de nostalgia e celebração; de sofrência e festa.

Na primeira fase, as músicas eram compostas por uma introdução de instrumento, breve ou longa, e eram em estilo modas de viola que falavam do universo sertanejo. Os duetos eram acompanhados por viola caipira, instrumento de cordas duplas e sistemas de afinação. As duplas dessa época eram: Cornélio Pires e sua “Turma Caipira”, Alvarenga & Ranchinho, Tonico & Tinoco e Pena Branca & Xavantinho.

O tempo foi passando e algumas modificações temáticas e de estrutura da música, como melodia e instrumentos, aconteceram. O estilo caipira foi ganhando contornos mais modernos.

Instrumentos, como a harpa e o acordeão, foram introduzidos na música sertaneja, em 1945, além de novos estilos e duetos com intervalos variados. Novos ritmos também foram introduzidos, como o rasqueado, interpretado pelo violeiro mineiro Tião Carreiro. As músicas eram canções amorosas que falavam sobre a vida do compositor. Artistas como Cascatinha & Inhana, Irmãs Galvão e Sulino & Marrueiro, fazem parte desta transição.

O “ritmo jovem” chegou no final dos anos 60 e compôs a fase moderna da música sertaneja acompanhado de uma guitarra elétrica. O modelo para esta nova descoberta foi a jovem guarda e um de seus integrantes, Sérgio Reis, que gravou um repertório tradicional sertanejo e ampliou o conhecimento do gênero.

Já na década de 1970, Milionário & José Rico usaram elementos da tradição mexicana, o Mariachi, com floreios de violino e trompete. Os locais de performance desse gênero musical eram em circos, rodeios e rádios AM. Em 1980, o sertanejo começou a ser tocado nas rádios FMs, em programas de TV matutino, no horário nobre, e nas trilhas de novelas.

A partir de 1980, houve uma grande exploração comercial da música sertaneja no Brasil, começando com Chitãozinho & Xororó, Leandro & Leonardo, Zezé Di Camargo & Luciano e João Paulo e Daniel. Para chamar a atenção, eram alternados solos e duetos para apresentar as canções, algumas em ritmo de balada, onde sua principal mensagem era o amor.

Arranjos instrumentais também foram adicionados, como instrumentos de orquestra e a base de rock, incorporada ao gênero, para deixar o ritmo mais empolgante. Clássicos como “Fio de cabelo”, “Pense em mim”, “Entre tapas e beijos” e “Evidências” foram lançados e eternizados.

Com a evolução dos ritmos, o sertanejo deixou de ser algo voltado para as comunidades rurais e tornou-se mais dançante e mais urbano, sem perder sua característica em melodia simples e melancólica.

Por isso, os sertanejos atuais mudaram sua temática e adotaram temas como amor e traição, além de outros ritmos e estilos, tornando  o axé-nejo, funk-nejo, arrocha e eletro-nejo, com as duplas Munhoz e Mariano, André Luiz e Otávio, Thaeme e Thiago e também cantores como Michel Teló, Gusttavo Lima, Israel Novaes, Cristiano Araújo e Léo Rodriguez, Marília Mendonça, Maiara e Maraísa e Simone e Simaria.

Em sua essência, o gênero representa a cultura verdadeira do sertanejo, da roça, da pureza de versos e prosas, da vida simples do sertanejo nato, matuto, aquele que olha e contempla a natureza e suas nuances, como a lua cheia, o sol nascendo num dia frio, as estrelas, os pássaros, as estações do ano e suas diferenças, os rios, vendo a imensa beleza que existe escondida dentro dela.

Mas o sertanejo chegou às cidades e à realidade do povo urbano. Rearranjos tornaram a música mais moderna, energética e elétrica. Essas duas realidades conseguiram fazer o que quase nenhum outro gênero conseguiu: mobilizar multidões de todas as classes por todo o Brasil, tornando o sertanejo quase que uma unanimidade.

Ganhando (ainda mais) terreno: o sucesso do sertanejo através de diferentes públicos

Tem para todos os gostos. Não é que essa é uma história de evolução e o que foi feito é um capítulo passado que pavimentou os caminhos para o que é feito hoje. Não, o sertanejo realmente consegue abraçar ainda quem gosta da manifestação sertaneja, até quem está de fato inserido nesse clima mais urbano.

A empresa de monitoramento de mercado e consumo Hibou lançou uma pesquisa que traça bem essa ideia: 60,1% do público do gênero é adepto ao sertanejo universitário, o que indica de fato a evolução da indústria; 46,9% preferem o sertanejo romântico - sabemos que você canta “Evidências”; e 32,8% ainda são adeptos ao sertanejo raiz (caipira).

Como dissemos no começo do texto, o gênero corresponde a 29% de todas as músicas tocadas nas rádios do país (Kantar IBOPE). No Spotify, 12 das 20 primeiras músicas mais tocadas no Brasil são sertanejo; no Deezer, 10 das 20 primeiras músicas; na Apple Music, 9 das 20 primeiras músicas; e no YouTube Music, 8 das 20 primeiras músicas mais tocadas são do gênero.

Além disso, em 2020, surgiu o fenômeno das lives, assegurando o reinado do gênero como um dos favoritos do público brasileiro.

Gusttavo Lima, por exemplo, entendendo que todos os jovens que o ouviriam na balada estariam em casa, decorou a sala com canhões de luz, posicionou quatro câmeras, uma delas se movimentando na área da piscina e do jardim de sua residência, e iniciou a primeira live dos tempos modernos. Em cinco horas, cantando cem músicas, atingiu 11 milhões de pessoas e um número recorde de 750 mil acessos simultâneos, 300 mil a mais do que a maior marca anterior, de Beyoncé, no Festival Coachella de 2018. É isso mesmo: o sertanejo desbancou nada mais, nada menos que Beyoncé.

Já a live dos clássicos “Amigos” (Leonardo, Chitãozinho & Xororó, Zezé Di Camargo & Luciano) conseguiu mais 1 milhão de visualizações simultâneas. Ao longo de mais de quatro horas de show, eles cantaram clássicos como "Evidências", "Pense em Mim" e "É o Amor".

Depois, veio Jorge e Mateus. Ao longo de 4h30, eles foram vistos por 3,1 milhões pessoas ao mesmo tempo, totalizando 36 milhões de visualizações, com um show chamado Na Garagem.

Marília Mendonça, a Rainha da Sofrência, foi a próxima. Sentada ou de pé na sala de sua casa, usando chinelo de dedo, bateu tudo o que havia antes, segundo os números divulgados por sua produção, chegando a mais de 3,2 milhões espectadores simultâneos, 100 milhões a mais que Jorge e Mateus.

Além das empresas parceiras investindo dinheiro, os shows contaram com um inédito potencial de arrecadação para trabalhos sociais. Gusttavo Lima conseguiu R$ 500 mil em doações, entre dinheiro, alimentos, máscaras e álcool em gel. A live dos “Amigos” arrecadou R$ 1,7 milhão em doações. Jorge e Mateus ganharam 172 toneladas de alimentos, 10 mil frascos de álcool em gel e 200 cursos para a área da saúde. Marília conseguiu mais de 225 toneladas de alimentos, duas toneladas de produtos de limpeza, 250 quilos de pão de queijo, 3.600 litros de refrigerante e materiais de construção para serem doados.

Antes dos sertanejos, lives eram momentos caseiros gravados em câmeras de celular, sem nenhuma contrapartida monetária. A partir deles, se tornaram uma saída, deixando o campo para ganhar o mundo.

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